sexta-feira, 22 de maio de 2015

Para a legislação brasileira não existe a figura do assassino em série



Serial killer, figura invisível só para a lei



Vítimas vulneráveis, escolhidas ao acaso como meros objetos de fantasia. Uma vez nas garras de seu algoz, acabam brutalmente assassinadas, sem razão aparente. O modo de agir de um serial killer não é uma equação matemática, mas a descrição acima é, quase sempre, como eles deixam um rastro de sangue por onde passam. 

Com o pedreiro Ademar de Jesus Silva, 40 anos, não foi diferente. O homem que nunca despertou suspeita nos vizinhos é, para a polícia, um sujeito frio e meticuloso, que acaba de entrar para uma lista macabra. Trata-se do 58º caso de assassino em série de que se tem notícia no Brasil, contabiliza a especialista em crimes violentos Ilana Casoy.

Nos últimos 10 anos, Ilana — administradora pós-graduada em criminologia — se dedicou a estudar o perfil de assassinos em série. A pedido do Correio, ela listou seis assassinos em série brasileiros que, assim como Ademar de Jesus, atacavam apenas meninos. A especialista ajudou a polícia de diferentes estados do país. Já entrevistou alguns dos homicidas para embasar os três livros que escreveu sobre o tema. Com a experiência acumulada na última década, defende a inclusão, na legislação brasileira, da figura jurídica do serial killer. “É preciso ter um artigo na lei para que as pessoas batam o olho e digam: esse cara é um assassino em série. É preciso reconhecer a existência dele.”

Um artigo específico para esse tipo de crime evitaria, na opinião de Ilana, que um criminoso com esse perfil passe despercebido na multidão carcerária, como ocorre hoje. “Duvido que um psiquiatra vá analisar esse cara da mesma forma que um assassino comum. Ao ver na ficha `condenado pelo artigo 666, assassino em série`, os cuidados seriam redobrados dentro do sistema e também na hora de reinseri-lo socialmente”, avalia.

Para Ilana Casoy, é desnecessário aumentar a punição para os crimes em série. “A lei brasileira já prevê a multiplicação da pena pelo número de vítimas”, lembra. Questionada sobre o direito à progressão do regime para esses criminosos, ela diz ser favorável, mas faz ressalvas. “Um serial killer não é necessariamente um doente mental. Para se chegar a essa conclusão é preciso haver um laudo psicológico e psiquiátrico. Definido isso, aí podemos discutir a progressão de regime e de que forma ela se dará, porque prisão sem horizonte é muito mais do que um castigo”

O advogado criminalista e conselheiro da Ordem dos Advogado do Brasil/seção-DF Délio Lins e Silva Junior discorda da necessidade da tipificação dos crimes em série ou do aumento da pena. “O que pode diminuir a criminalidade é, primeiro, um desenvolvimento social amplo, que englobe principalmente educação de qualidade e divisão de rendas adequada.” 

Complexidade

Os serial killers despertaram o interesse do delegado da Polícia Civil do DF Sérgio Bautzer. Desde o início da faculdade de direito, há 16 anos, ele passou a estudar o tema e nunca mais parou. Bautzer explica que os assassinos em série agem de maneira tão peculiar que exigem da equipe de investigação uma perspicácia mais apurada para notar semelhanças no padrão de comportamento. Para ele, o trabalho precisa ser conduzido de maneira diferente.

Para esses casos, há pelo menos três métodos de elucidação dos crimes, segundo Bautzer. O método-padrão do FBI (a polícia federal americana); o de perfis criminais David Canter (nome do psicólogo que o criou) — usado pela Scotland Yard (a polícia metropolitana inglesa) —; e o Brent Turvey, que analisa as evidências comportamentais do suspeito. “É fantasioso imaginar que só o profiler (pessoa que traça o perfil) vai elucidar o crime, como os seriados de TV mostram. As informações devem ser combinadas com outros fatores”, destaca Bautzer.

Entre os estudiosos, no entanto, há quem divida os assassinos em série em dois grandes grupos:os organizados e os desorganizados. O segundo é pego mais rápido, explica o delegado.“Ele tem inteligência abaixo da média, nasceu na classe baixa, não tem nenhuma ou pouca premeditação do crime. A vítima é selecionada quase ao acaso e a arma é a da oportunidade”, explica.

Já o serial killer organizado costuma ter inteligência acima da média para alta. É metódico e astuto, nascido em classe média alta, socialmente competente, porém, antissocial. “Além disso, tem personalidade marcada pela psicopatia. Traz suas armas e instrumentos e a vítima é completamente estranha”, enumera. “É preciso ter perspicácia e conectar os diversos pontos em comum. A integração do investigador com os peritos e médicos-legistas é fundamental para elucidar esses casos”, pontuou. Em Belém (PA), o delegado Paulo Tamer levou 11 meses para prender o “Monstro da Ceasa”, que aterrorizou moradores de um bairro pobre da cidade. 

Artigo
Preparação para a liberdade

O presidente da CPI de assuntos carcerários da Câmara Federal, deputado Domingos Dutra (PT-MA), falando sobre a figura do preso advertiu-nos: “hoje contido, amanhã contigo”. Assim, para quem pensa que jogar o indivíduo em uma masmorra por 10 ou 20 anos vai resolver o problema de segurança pública, é preciso dizer que há um grave erro no raciocínio. A preparação para a liberdade há de ser feita com doses dela.

A ideia da progressão no regime, também conhecida como individualização científica, surge para, de um lado, humanizar o cumprimento da pena, de tal modo que, aliado ao bom comportamento, o preso possa, cumprido certo período no regime fechado (o mais severo), passar para o semiaberto e, em seguida, para o aberto. Mas, de outro lado, tem-se em mente que o processo gradativo de conquista da liberdade permite um controle sobre o egresso. É exatamente aí que falha o sistema.

O preso vai para o aberto e não encontra trabalho. Volta a delinquir, é matemático. Nos casos dos que praticaram crimes sexuais, não há acompanhamento. Só recentemente, sob a batuta do ministro Gilmar Mendes (presidente do Supremo Tribunal Federal), se começou a tratar do assunto, com incentivos para quem contrata egressos do sistema penitenciário e a discussão sobre o uso de tornozeleiras eletrônicas para acompanhar os passos dos condenados em liberdade.

A falha no acompanhamento do egresso não pode comprometer a filosofia do sistema penal, que é correta. Por fim, nunca é demais lembrar que a Lei dos Crimes Hediondos, que suprimiu a progressão, não diminuiu em nada os índices de criminalidade. Alberto Zacharias Toron, advogado, professor de Direito Penal da PUC-SP, doutor em Direito pela USP e ex-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. 


Cronologia macabra

30 de dezembro de 2009
Desapareceu o primeiro adolescente no Parque Estrela Dalva, em Luziânia (GO).

Trata-se Diego Alves Rodrigues, 13 anos.

Ele saiu de casa para pagar uma conta.

4 de janeiro de 2010
Paulo Victor Vieira de Azevedo Lima, 16 anos foi o segundo a sumir.

10 de janeiro
George Rabelo dos Santos, 17 anos, saiu de casa para encontrar a namorada e não mais voltou.

13 de janeiro
Divino Luiz Lopes da Silva, 16 anos, saiu de casa por volta das 10h, para brincar com os amigos do Parque Estrela Dalva 5 e também não voltou mais.

16 de janeiro
O Correio revelou com exclusividade o sumiço de quatro dolescentes, em menos de 15 dias, no Bairro Parque Estrela Dalva, em Luziânia.

18 de janeiro
Flávio Augusto dos Santos, 14 anos, desapareceu após ir a uma oficina de bicicletas.

22 de janeiro
Márcio Luiz de Souza Lopes, 19 anos, foi visto pela última vez às 18h, quando saiu de casa para andar de bicicleta.

1º de fevereiro
Comitiva formada por membros do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa visita as mães dos desaparecidos e pediu esclarecimentos da Polícia Civil.

3 de fevereiro
A CPI do Desaparecimento de Crianças e Adolescentes, da Câmara dos Deputados, se reúne com as mães.

4 de fevereiro
Familiares fizeram passeata na Esplanada dos Ministérios, em Brasília, pedindo a intervenção federal no caso.

9 de fevereiro
O então ministro da Justiça, Tarso Genro, recebe as mães dos jovens e anunciou a entrada da Polícia Federal no caso.

24 de março
As mães participaram de audiência pública no Senado Federal e pediram a criação de um Fundo de Amparo às Famílias de Vítimas de Desaparecimento.

10 de abril
A polícia prende Ademar de Jesus Silva. Ele confessou ter assassinado os seis jovens

11 de abril
Ademar foi transferido para Goiânia, onde prestou depoimento.

15 de abril
Familiares encontraram nova ossada onde Ademar enterrou os seis jovens. Polícia não confirmou a relação com os outros assassinatos.

16 de abril
Polícia Civil goiana confirma que a ossada é de uma pessoa. Seria o sétimo cadáver.

No mesmo dia, o juiz Luiz Carlos Miranda, que mandou soltar o pedreiro, concedeu entrevista coletiva afirmando que apenas cumpriu a lei. Ele se defendeu dos ataques que sofreu durante toda a semana de vários segmentos da sociedade. 

[data que o Blog da UNR acrescenta com extremo prazer e com a convicção que independente de erros judiciários o monstro de Luziânia não mais matará:
18 de abril - morre em uma cela do DENARC, em Goiânia-GO, o monstro de luziânia. Enforcado.]


Palavra de especialista
Sistema de penas

Os regimes de cumprimento de pena previstos na legislação brasileira são o fechado, o aberto e o semiaberto, a depender do montante de pena aplicado. Visando não só a punição, mas também preparar o preso para o retorno ao convívio em sociedade, consagrou-se o sistema progressivo de cumprimento de penas. O artigo 112 da Lei nº 7.210 (Lei de Execuções Penais) diz que a pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva, com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz.

A progressão deve ocorrer quando o preso tiver cumprido ao menos 1/6 da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão (redação dada pela Lei nº 10.792, de dezembro de 2003). A redação anterior exigia, além do que hoje é disposto, que a decisão do juiz em conceder a progressão do regime, deveria ser precedida de parecer da Comissão Técnica de Classificação e de exame criminológico, ou seja, a nova lei excluiu essa exigência.

Apesar dessa modificação legislativa, o Código Penal continua a falar em mérito do preso para garantir a progressão da pena. Diante disso, a maioria da doutrina defende que, para os acusados de crimes violentos, o exame continua a ser exigido e para os demais não. No caso dos crimes hediondos, o início do cumprimento da pena será sempre em regime fechado e a progressão só se dará a partir do cumprimento de 2/5 da pena para o apenado primário e 3/5 para os reincidentes.”

Délio Lins e Silva Junior, advogado criminalista e conselheiro da OAB/DF 


Memória

Veja os casos de serial killers conhecidos no país por atacar somente meninos:

Francisco das Chagas Rodrigues de Brito
Vítimas: 42 meninos, de 14 e 15 anos
Período: 1989 a 2004
Local: Altamira e São Luiz, ambas cidades do Maranhão
Situação: preso

Marcelo Costa de Andrade, o “Vampiro de Niterói”
Vítimas: 14 meninos
Período: De 1991 a 1992
Local: Niterói (RJ) e Belo Horizonte (MG)
Situação: internado no manicômio de Niterói

Adriano da Silva, o “Monstro de Passo Fundo”
Vítimas: 12 meninos
Período: De 2002 e 2004
Local: Passo Fundo (RS)
Situação: Suicidou-se na delegacia

Oswaldo Sonego, o “Tarado de Tatuí”
Vítimas: seis meninos
Período: 1996
Local: São Paulo (SP)
Situação: diagnosticado como esquizofrênico, está internado
no manicômio judiciário

Febrônio Índio do Brasil* 
Vítimas: número incerto
Período: 1927
Local: Rio de Janeiro (RJ)
* Foi o primeiro interno do manicômio judiciário do Rio de Janeiro. Por ser doente mental, foi considerado iniputável pela Justiça

José Augusto do Amaral, “O Preto Amaral”
Vítimas: desconhecido
Período: 1926
Local: São Paulo (SP)
* Morreu de pneumonia antes de ser julgado 

Depoimento/Paulo Estevão Tamer
No rastro de um monstro

“Encontramos o corpo de Ruan Valente Sacramento, 14 anos, em 23 de março de 2007, no mesmo lugar onde foi achado o de Adriano Nogueira Martins, 14, em 11 de janeiro do mesmo ano. Constatei, naquele momento, grandes semelhanças entre os casos — as chamamos de assinaturas. Os corpos foram encontrados seminus, estrangulados mecanicamente com um barbante de náilon. As vítimas, da mesma idade e biotipo, eram moradoras do mesmo bairro (Guamá), estudavam no mesmo colégio e frequentavam a mesma lan house. Não me sobravam dúvidas de que estava à frente de um caso de assassinatos em série."

"Na condição de diretor de Polícia metropolitana, coordenei uma força-tarefa composta por policiais e da qual também participaram Ilana Casoy e Maria Adelaide Caires (especialista e psicóloga clínica e forense, respectivamente). Além das análises dos corpos, providenciei uma varredura na área. Encontramos uma bermuda e uma sandália que eram de José Raimundo Oliveira, desaparecido em 16 de dezembro do mesmo ano. O exame de DNA confirmou a identidade do jovem."

"Em se tratando de serial killer, trabalhamos com a possibilidade de uma nova ocorrência. Passei a proferir palestras em escolas e em centros comunitários do bairro, explicando o comportamento e as ações de um assassino em série. André Barbosa, o Monstro da Ceasa, como ficou conhecido, fez uma nova investida que nos proporcionou identificá-lo. Constatou-se que ele é ex-militar, feirante e negro."

"Minha surpresa ocorreu na ocasião da prisão de André, uma vez que uma tia dele era ativista comunitária do bairro e participante das palestras que proferíamos. Minha grande lição, como profissional, foram os estudos que precisei fazer para entender o que é um serial killer. E, como pessoa, aprendi que devemos estar mais atentos aos nossos filhos.”

Delegado da Polícia Civil do estado do Pará 


Entrevista / Maria José Miranda
“Existe o Brasil real e o Brasil do papel, de mentirinha”

Indignação é pouco para resumir o sentimento da promotora Maria José Miranda — da 7ª Promotoria de Execuções Penais do Distrito Federal — em relação aos procedimentos que colocaram nas ruas Ademar de Jesus Silva, o assassino confesso de seis jovens de Luziânia. A “dama de ferro” do Ministério Público do DF e Territórios, fama adquirida por conta do rigor com que exige a punição aos criminosos, defende o endurecimento das leis. “Existe o Brasil real e o Brasil do papel, de mentirinha, de faz de conta. É preciso aproximar esses dois brasis para que deixemos de enganar a sociedade.”

Por que a senhora fala em Brasil de verdade e Brasil de mentira?

Me dói imensamente ver as vítimas comemorarem a condenação de um réu por 30 anos. Todo juiz, promotor e advogado sabem que 30 anos de prisão, na realidade, são apenas cinco anos. Depois, o preso têm direito à progressão de pena e vai para as ruas.

O caminho é o aumento das penas?

Sou a favor do aumento substancial das penas e defendo que a progressão seja concedida apenas a partir do momento em que o condenado tiver cumprido 90% da pena. Especialmente quando se trata de crimes hediondos, pois não podemos permitir que o réu seja tratado da mesma forma que um ladrão de carro ou de xampu. Também defendo a exigência do laudo psiquiátrico e psicológico para atestar se o réu está pronto para voltar ao convívio social. Se isso tivesse sido feito, talvez aqueles jovens ainda estivessem vivos. Mas, no Brasil, é muito difícil conseguir alguma mudança pró-vítima. Tudo o que se faz é pró-réu.

No meio jurídico, há quem conteste o aumento da pena como meio para reduzir a criminalidade…

O que há, entre os legisladores e juristas, é um desprezo elitista pelo senso comum que dói na alma. Para eles, partidários do aumento da pena são pessoas sem cérebro, que acham que cadeia resolve os problemas do mundo. Concordo que não resolve. É preciso política pública de prevenção. Mas também tem que ter cadeia para criminosos. Ele precisa pagar pelo que fez. E a pena imposta não pode ser a do faz de conta de hoje.

A pena de Ademar de Jesus Silva foi fixada inicialmente em 15 anos. Depois, o Tribunal de Justiça reduziu para 10 anos e 10 meses. Foi uma decisão justa?

Vamos pegar como exemplo a pena por estupro, que hoje varia de seis a 10 anos de reclusão em regime inicialmente fechado. O réu cumpre 2/3 e está livre. É muito pouco. Isso é um escárnio com a sociedade ordeira e um acinte com as vítimas. É estuprar a vítima de novo. No caso do Ademar, a pena inicial foi de 15 anos. Acho que poderia ter chegado pelo menos a 18. Aí vem o desembargador-relator e propõe que ele (Ademar) cumpra sete anos por atentado violento ao pudor contra duas crianças. Meu Deus! Isso, na prática, seria um ano e alguns meses. É muito pouco para a desgraça que ele fez na vida daqueles meninos. Eu não consigo aceitar isso, não me entra na cabeça. 


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