segunda-feira, 4 de abril de 2016

PEQUENOS PSICOPATAS


Matéria capa da revista Super Interessante


Sim, maldade pura existe. Ela é muito pior do que você imagina. E pode começar já na mais tenra infância.


"Para mim, isso era coisa de filme". Do outro lado da linha, com a voz embargada, uma mãe em desespero conta como percebeu coisas estranhas no comportamento do filho quando ele tinha apenas 6 anos.

Embora o diagnóstico de psicopatia só possa ser feito formalmente aos 18 anos, é possível captar sinais claros bem antes disso. As crianças psicopatas mentem muito, são manipuladoras, impulsivas e extremamente egocêntricas. Também são cruéis.

Podem queimar um cachorro ou estripar um gato. Sufocar um irmão com um travesseiro sem sentir culpa ou remorso. Tentar queimar ou explodir coisas. Mais tarde, na adolescência, podem praticar vários tipos de crime, de simples roubos a atos de violência sexual e homicídios com requintes macabros. Tudo sem que haja um motivo ou fator causador, a não ser o puro instinto. E tudo sem que os pais possam fazer muita coisa - pois estudos sugerem que a psicopatia pode ser causada por problemas estruturais no cérebro, e não pode ser anulada por uma boa educação. É como se os psicopatas já nascessem sentenciados a serem maus; suas famílias, a conviver com isso.

O impulsivo

Desde pequeno, Gustavo batia nos pais e em outras crianças. Era algo tão grave e tão constante que o levou a ser internado aos 13 anos num hospital psiquiátrico, onde ele ficou por um ano e meio. O tratamento não surtiu efeito. Sua mãe, Natália, se sentia culpada e humilhada pelas outras pessoas. "Diziam que eu permitia os abusos dele, que bastaria dar uns tapinhas", afirma. "Minimizavam a situação, falavam que Gustavo tinha apenas uma adolescência conflituosa." O garoto roubou dinheiro da família, destruiu a casa 3 vezes, cortou a orelha do pai e golpeou as costelas da mãe, que foi parar no hospital por isso. "Às vezes, eu acordava no meio da noite e ele estava nos observando dormir. Percebi que nos mataria a qualquer momento", conta Natália. 

"Enfrentei todas essas situações, esperei o que estipula a lei (protegê-lo até os 21 anos) e dei por terminado esse calvário. Não o vejo mais." Natalia tomou a decisão em 1993, após fazer terapia e decidir que o filho era irrecuperável. O casal acabou expulsando o garoto de casa - por puro medo de ser assassinado. "Muitas mães continuam carregando essa situação nos ombros. Outras morrem nas mãos de seus filhos", afirma. 

Gustavo é a minoria da minoria. Há crianças que são agressivas e perversas como ele era na infância - mas não necessariamente se tornarão adultos problemáticos. Elas batem nos irmãos e tiram objetos dos pais, por exemplo, mas tudo passa após uma etapa de ajuste. "Não podemos jamais concluir que crianças com distúrbios de comportamento serão psicopatas no futuro. Por isso, não se dá o diagnóstico de psicopatia antes dos 18 anos", diz o psiquiatra forense Guido Palomba. Mas algumas crianças que apresentam esses distúrbios vão, sim, se tornar adultos psicopatas, por mais acompanhamento e tratamento que recebam. É o caso de Gustavo: ele nasceu e vai morrer assim. Hoje, aos 40 anos, busca contato com os parentes - mas só para prejudicá-los. Roubou objetos dos pais na única vez que o deixaram entrar em casa. "Continuo em terapia porque a dor de perdê-lo foi dilacerante. Senti culpa e saudade, mas sei que para ele eu não valho nada", diz Natália.

"Às vezes, eu acordava no meio da noite e ele estava nos observando dormir. Percebi que nos mataria a qualquer momento." - Natália, mãe de Gustavo. Argentina.

O predador

Os pais de Gordon suspeitaram cedo de seu caráter amoral. "Desde que ele mamava no peito, eu percebi que não estabelecia um vínculo afetivo. Mas ele era agradável com as outras pessoas, tão charmoso e atraente, não me preocupei muito", diz Barbara, a mãe. "Aos 7 anos, vi que algo realmente estava mal: eu tinha de mantê-lo longe dos dois irmãos mais novos para evitar que os agredisse. E o peguei abusando sexualmente da gata do vizinho", diz ela.

Aos 12, Gordon foi acusado de abuso sexual contra uma mulher. Passou alguns anos detido por essa e outras 7 ações do mesmo tipo. Sempre negou a culpa. "Nós demos educação, carinho, viagens, imóveis - e ele arruinou tudo", conta a mãe. "Ele tinha sempre um motivo para pedir dinheiro emprestado, que nunca devolvia. Nos extorquiu US$ 200 mil", afirma ela.

Hoje, aos 24 anos, Gordon é pai de um menino de 4. "Meu maior temor é que ele faça mal a meu neto, que vive com a mãe a 3 200 km da cidade onde eu e meu filho vivemos", diz Barbara, que teme até revelar a cidade onde mora. Hoje, Gordon tenta se abrigar na casa de desconhecidos, que conhece em pontos de venda de drogas. "Predadores são predadores, mesmo que sejam nossos filhos. Não importa o que você fizer, eles vão sempre desrespeitar, ameaçar, desprezar e odiar você. Negar esse fato só causa mais dor", diz Barbara.

Ao contrário dela, a maioria das mães não consegue enxergar que o filho é um psicopata. Mas o transtorno de personalidade começa a dar sinais desde bem cedo, por volta dos 6 anos - em casos extremos, até antes. "A professora do jardim de infância nota que a criança não obedece a ordens, comete atos muito agressivos e age de forma independente do grupo", explica o psiquiatra Hugo Marietan, da Universidade de Buenos Aires, que estuda psicopatas há 20 anos. "Isso acontece porque o psicopata é uma unidade em si mesmo. Enquanto as outras pessoas se apoiam em redes afetivas, seja de parentes seja de amigos, ele não necessita de ninguém."

Gordon nunca teve um amigo verdadeiro. E isso faz todo o sentido: os psicopatas não entendem a amizade. Para eles, não passa de um sinal de fraqueza.

"Há filhos que são assim. Não importa o que você fizer, eles vão sempre desrespeitar, ameaçar, desprezar e odiar você." - Barbara, mãe de Gordon. EUA.

O indiferente

Em 1986, o americano Jeffrey Bailey Jr, de 9 anos, foi deixado sozinho com o amiguinho Ricky Brown, de 3. Jeffrey sabia que o menino tinha medo de água e não sabia nadar. Mesmo assim, levou-o para a piscina e o empurrou lá dentro. Ricky se debateu por vários minutos, gritando por socorro. "Em vez de estender o braço, Jeffrey puxou uma cadeira para assistir à morte do menino. Depois foi para casa", diz a psicóloga forense Katherine Ramsland, da Universidade DeSales, nos EUA. Ao se encontrar com um vizinho, Jeffrey perguntou "o que era a gosma branca" que sai do nariz de uma pessoa que se afoga. A polícia encontrou o corpo de Ricky às 18h40, cerca de 8 horas após o afogamento. "Foi um acidente", mentiu Jeffrey. "Ao ser interrogado, o garoto se mostrou indiferente à morte do amigo. Ele estava mais preocupado em ser o centro das atenções do que em sentir qualquer tipo de remorso pelas coisas que havia feito", conta Ramsland.

A história ajuda a entender a mente psicopata. É comum que crianças (normais) tenham dificuldade de lidar com emoções. Podem ser impulsivas, narcisistas ou agressivas, bater nos irmãos por ciúme ou egoísmo. "Mas quando uma criança comete atos assim por sadismo, e sem sentir remorso ou culpa, pode-se suspeitar de psicopatia", diz o psicólogo forense americano Carl Gacono. "Outro elemento é a falta de empatia, a incapacidade de se colocar no lugar do outro." Segundo Gacono, esses 4 sinais - sadismo, falta de remorso, falta de culpa e ausência de empatia - podem ser detectados entre 6 e 9 anos, quando a personalidade está se formando.

"Ele não demonstrou remorso, e estava desfrutando ser o centro das atenções." - Katherine Ramsland, psicóloga Forense, EUA

O suicida

Aos 6 anos, Bruno não demonstrava emoções nem vínculo afetivo. Só apatia. Depois o garoto se tornou agitado e manipulador. A mãe, Jussara, o levou a vários médicos no ABC paulista. Todos disseram que era apenas ansiedade. E Bruno foi ficando cada vez pior - tentou suicídio 3 vezes. Depois dos 18, finalmente recebeu um diagnóstico concreto: transtorno de personalidade. "Eles [os médicos] disseram que meu filho não pode viver em sociedade. Foi duro escutar isso." Mãe de 4 filhas mais novas, Jussara diz que o melhor para Bruno seria permanecer internado. "O problema é que as clínicas não o aceitam. Além dos laudos médicos, já precisei de várias liminares para que o internassem", afirma. Entre um hospital e outro, Bruno se envolveu romanticamente com duas enfermeiras, uma das quais o ajudou a fugir. "Ele nunca fez mal aos outros porque a família agiu desde cedo para contê-lo, com remédios e internações", diz a mãe. Hoje com 24 anos, o rapaz está desaparecido há um mês. "Provavelmente virou um andarilho", acredita Jussara, que teme ser responsabilizada por atos violentos do filho contra outras pessoas. "E se amanhã acontecer alguma coisa na rua, como os casos monstruosos que vemos na TV, a culpa vai ser de quem?"

"A maioria dos especialistas é despreparada. Sempre diziam que o problema era da criação. E meu filho foi piorando." - Jussara, 40 anos, professora, mãe de Bruno, 24 anos.

O incendiário

André tinha 3 anos quando começou a fazer terapia. Segundo Claudia, a mãe, era muito arteiro. "Ele queimava os brinquedos e depois apagava com água e terra. Aos 4, queimou um armário inteiro que ficava fora da casa. Uma vez colocou fogo debaixo do carro usando papel e fósforo, e por sorte não houve uma explosão. Eu e meu marido demos uma bronca, como qualquer pai faria", diz Claudia. Os especialistas disseram que o menino era hiperativo com déficit de atenção. Ele era simpático e conversador, mas mentia demais, e com extrema convicção.

Aos 15 anos, André entrou numa fase mais agressiva. "Ele nos xingava e dizia que ia nos matar. Que explodiria uma bomba em casa. Tentava montar artefatos com fios e adubo do jardim. Eu dormia trancada no quarto com meu marido e o outro filho", diz a mãe. "Uma vez, ele pegou uma faca e veio andando em nossa direção completamente surtado. Foi necessária a intervenção da polícia, que é despreparada para lidar com pessoas nesse estado."

Já adulto André foi diagnosticado com transtorno anti-social - equivalente, no caso dele, a psicopatia. "Ele tem atitudes inesperadas. Age como uma pessoa normal e tem inteligência admirável. O problema é quando explode", diz Claudia. Segundo ela, o pior de ter um filho problemático é a incerteza constante. "Uns dias são melhores, outros piores, e você nunca sabe o que virá". "Não está escrito na testa que eles são psicopatas. Passarão pela vida sem que as outras pessoas saibam. Nós, como pais, só queríamos que fossem pessoas capazes de conviver em sociedade, trabalhar, criar e manter suas famílias. Principalmente, que fossem felizes." Hoje, aos 33, André trabalha como técnico em computação e ainda mora com os pais. "Ele tem ficado mais tranquilo com o tempo. Rezo para que continue assim", diz Claudia.

"Ele era uma panela de pressão prestes a explodir sem motivo aparente, ou quando era contrariado." - Claudia, 56 anos, estudante de direito, mãe de André, 33, São Paulo.

O sádico

Roberto Aparecido Alves Cardoso sofreu anóxia (falta de oxigênio) durante o parto. Dezesseis anos mais tarde, arquitetou o assassinato do casal de namorados Liana Friedenbach, de 16, e Felipe Caffé, de 19. Roberto Cardoso é o Champinha, autor de um dos crimes mais famosos do Brasil recente. Qual a ligação entre as duas coisas? Ele é considerado um pseudopsicopata, ou seja, uma pessoa que se comporta como psicopata devido a um dano físico sofrido pelo cérebro - no caso, a anóxia.

Champinha

Champinha estuprou Liana por 5 dias e depois a matou a facadas. Felipe recebeu um tiro na cabeça. Os comparsas de Champinha foram condenados a 177 anos de prisão. Como era menor, ele foi para a Fundação Casa e em 2007 foi internado na Unidade Experimental de Saúde (UES), em São Paulo, onde está até hoje. No ano passado declarou, por meio de seu advogado, que não vê "sentido" em ficar preso e gostaria de estudar para ser veterinário. Sua rotina na UES se resume a comer, dormir e assistir aos jogos do Corinthians.

Felipe e Liana

Pessoas como ele poderiam um dia ser reintegradas à sociedade? Talvez não. A maioria dos especialistas acredita que a psicopatia tenha um componente genético. Segundo essa teoria, uma boa educação não seria capaz de impedir que a criança se tornasse má. No máximo atenuar o transtorno. Em vez de assassino, o indivíduo poderia virar um executivo inescrupuloso ou um político corrupto, por exemplo.

"Um assassino assim não pode viver em sociedade." - Ari Friedenbach, Pai de uma das vitimas. Brasil.

O assassino serial

O pequeno Steven cresceu cercado pela violência. "Meu marido me batia e eu revidava", contou a mãe, Cathy, ao jornal britânico The Guardian. "Steve era um dos meus 7 filhos. Ele era o meu queridinho. E ainda é. Apenas se meteu em problemas." Aos 11 anos, o menino começou a roubar e foi levado a um lar para menores infratores, onde ficou até os 18. A mãe diz que ele sofreu abusos lá (tanto que a instituição acabou sendo fechada). A partir daí, Steven viveu entrando e saindo da prisão: foram 38 condenações por roubos e posse de drogas. Até que em 1993, aos 23 anos, finalmente saiu do limite: estrangulou e queimou Thomas Kelly, de 18, num terreno abandonado de Suderland, na Inglaterra. No ano seguinte, fez o mesmo com David Hanson e Gavid Grieff, ambos de 15. Foi condenado à prisão perpétua em 1996. Segundo o promotor, Steven matou os meninos para que parassem de dizer que ele era gay. Diante da mãe, no entanto, Steven nunca confessou o crime. "Sei que ele não vai sair da prisão enquanto eu estiver viva. Mas eu ainda o amo. Nunca poderia ir contra ele porque é meu filho." 

Steven Grieveson

"Ele era o meu queridinho. E ainda é." - Cathy, mãe de Steven Grieveson, 41, Inglaterra.

O torturador

O americano Jason Massey tinha 9 anos quando matou o primeiro gato. Gostou. Nos anos seguintes, dissecou dezenas de outros, que pegava perto de casa. Psicopatas como ele têm uma curiosidade mórbida por animais domésticos. Espetam os olhos de tartarugas, estripam pássaros para saber o que há dentro, botam fogo num cão só para vê-lo correr. E não se horrorizam com isso. Na verdade, desfrutam do sofrimento alheio - e não se importam em carregar a imagem de sádico. Jason tinha essa fama. Um exemplo: "Na adolescência, supostamente matou o cachorro de uma garota que não quis ser sua namorada", diz a psicóloga forense Katherine Ramsland.

Em seu diário, Jason registrou fantasias de estupros e canibalismo com mulheres. Seu ídolo era Ted Bundy, famoso psicopata americano que seduzia jovens para depois estuprá-las. Bundy matou pelo menos 30 mulheres antes de ser executado na cadeira elétrica, em 1989. Jason queria superar essa marca. Em julho de 1993, aos 20 anos de idade, foi apresentado por um amigo a Christina - de apenas 13 anos. Confessou ao amigo que gostaria de matá-la. Roubou uma arma calibre 22 e comprou munição, facas e algemas.

Massey

Poucos dias depois, Jason convenceu Christina a passear com ele de carro no meio da noite pelo interior do Texas. Christina levou junto o amigo Brian, de 14. Foi o último passeio deles. "Brian levou dois tiros. Christina foi desmembrada. Sua cabeça e suas mãos desapareceram", conta Ramsland. A garota levou dezenas de facadas. Teve as vísceras removidas e os mamilos cortados. Jason foi julgado pelos crimes e condenado à morte por injeção letal, em 2001.

A ciência ainda tenta explicar o que está por trás de condutas tão extremas. E algumas pistas têm surgido. O médico forense Guido Palomba examinou vários indivíduos com distúrbios de comportamento. E observou uma característica peculiar nos cérebros de pessoas sádicas. "A constituição anatômica era igual à do cérebro de um epiléptico, com assimetria entre as duas metades", diz Palomba. Isso sugere que comportamentos radicalmente violentos podem ter raiz neurológica - e genética.

"Brian levou 2 tiros. Christina foi desmembrada. Sua cabeça e suas mãos desapareceram." - Katherine Ramsland, psicóloga forense, EUA.

O pedófilo

Rafael foi adotado aos 3 anos. Márcia, a mãe adotiva, o encontrou num abrigo para menores. "Antes disso, ele passou por situações de violência e privação de comida", diz. Conforme foi crescendo, começou a fazer coisas ruins. Roubou celulares de amigos e abusou sexualmente da irmã mais nova. "Não chegou a violentá-la, mas abusou dela por muitos anos", diz Márcia. "Só descobrimos quando ele saiu de casa, aos 18 anos, após assediar uma vizinha." Rafael foi diagnosticado com personalidade anti-social agravada por pedofilia. Hoje, aos 25, é pai de um menino de dois anos, que mora com a mãe. "Nossa maior preocupação é que ele se aproxime da criança", diz Márcia. "É difícil para as pessoas entenderem a situação porque ele parece muito bonzinho, cativa todo mundo." Rafael mora num apartamento alugado pela família. 
"Ele mente até o último minuto possível. Só admite a verdade quando vê que não tem saída." - Márcia, 43 anos, publicitária, mãe de Rafael, 25, São Paulo.

O Perverso

Aos 9 anos, o paulista Bernardo enforcou a empregada de sua casa usando uma gravata que pertencia ao pai. Ele passou a gravata em torno do pescoço da mulher, fez um laço num cano e puxou. Bernardo não chegou a suspender sua vítima. Ela desmaiou e acabou se enforcando com o próprio peso. Um ato de crueldade inimaginável - e que se encaixava na personalidade psicopata do garoto.

"O menino apresentava um distúrbio de comportamento violentíssimo. Esfregava fezes na parede ou as atirava nas pessoas. Também tinha perversões sexuais com crianças do mesmo sexo", revela, sob anonimato, o médico que o atendeu. "O garoto não era vítima de pedófilos maiores de idade. Ele é que tomava a iniciativa das ações sexuais. Pegava pedaços de madeira para empalar outras crianças, por exemplo." O caso da empregada foi abafado pela família, e não houve punição para Bernardo.

Assim como ele, os psicopatas têm uma gama de sentimentos reduzida. Não sentem ternura, amor, solidariedade ou tristeza. "Vivem num pêndulo entre duas emoções básicas: o entusiasmo (para buscar os objetivos) e a ira (quando se frustram por não realizá-los)", diz o psiquiatra Hugo Marietan. "Mas estudam os sentimentos das outras pessoas com o objetivo de manipulá-las". O choro do psicopata não é espontâneo, e sim puro teatro para conseguir alguma coisa. Ele despreza os colegas ao vê-los rindo ou chorando. Um outro jeito de ver a vida. 

“Ele atirava fezes nas pessoas e praticava atos sexuais com outras crianças.” – Médico que examinou o garoto. Brasil.
Fonte: Super.abril.com.br



George Stinney, Inocente ou culpado?



George Stinney Jr em foto não datada (Foto: Reuters/South Carolina Department of Archives and History/Handout)


Um velho galpão de armazenamento, meio engolido pelo mato, brilha no sol do nebuloso inverno em frente à Igreja Missionária Batista de Green Hill. Isso é tudo que restou da próspera serraria e madeireira ao redor da qual Alcolu, uma cidade rural na Carolina do Sul, foi construída.


Há setenta anos, quando brancos e negros não se misturavam, Green Hill era conhecida como “a igreja negra”, enquanto a Igreja Batista de Clarendon, do outro lado da ferrovia, era “a igreja branca”. Aqueles que conseguem se lembrar dos terríveis eventos que se desenrolaram neste lugarzinho, na primavera e verão de 1944, eram crianças na época, e suas memórias estão moldadas por esta mesma segregação racial que dividia a comunidade em duas.

Da igreja de Green Hill são apenas alguns minutos a pé, através de um campo arado e cheio de palha de milho até a cova rasa na mata onde os corpos de duas garotas – ambas brancas – Betty June Binnicker, 11 anos, e Mary Emma Thames, 7 anos, foram encontrados lado a lado. Os assassinatos chocaram a população, cuja maioria participou das buscas pelas meninas um dia antes. As garotas estavam colhendo flores quando foram seguidas, atacadas e agredidas de maneira tão brutal que seus crânios foram despedaçados. Os corpos foram encontrados no lado negro da cidade. Mary tinha uma laceração de 5 cm acima da sobrancelha direita e uma laceração vertical sobre a esquerda, de acordo com um relatório médico de 1944: 
“Ambas são irregulares e profundas e há um buraco indo direto da cavidade craniana até outro na testa. O osso frontal logo acima da órbita direita está definitivamente quebrado”
Diz o relatório, acrescentando que há, também, duas áreas laceradas e com hematomas no topo da cabeça que parecem ter sido causadas por um martelo. 

“Há uma fratura exposta do crânio abaixo de cada uma delas.” 
Em Betty “havia evidências de pelo menos sete golpes na cabeça”, os quais, como os ferimentos de Mary, aparentavam serem produtos de “um instrumento pesado e com uma ponta pequena e arredondada, com o tamanho aproximado de um martelo. Alguns deles (golpes), apenas fraturaram o crânio, enquanto dois deles criaram buracos bem definidos no crânio. A parte posterior do crânio não é nada além de uma massa de ossos esmagados”, diz o documento.

Betty June Binnicker. Foto: The Observer

Betty June Binnicker. Foto: Findagrave


Retrato com a pequena Mary Emma Thames à direita. Foto: The Observer 

Enquanto o médico legista notou que não havia sinais de violência sexual no corpo de Mary, havia algum inchaço na genitália de Betty e um “ligeiro hematoma”.O hímen de ambas as garotas estava intacto, de acordo com o relatório.


Alguém deveria ser pego por este crime hediondo e logo as suspeitas recaíram sobre um garoto negro de 14 anos chamado George Stinney Jr. Stinney foi preso após participar das buscas às garotas brancas e ter comentado com alguns presentes que havia visto-as um dia antes. O que aconteceu depois lançou uma extensa sombra sobre a cidade, sobre o estado da Carolina do Sul e sobre a família Stinney. A polícia disse que o garoto confessou os crimes e, apesar de não haver evidência física, ele foi acusado de duplo homicídio, julgado, condenado e executado pelo Estado – tudo isso em menos de três meses. George foi a pessoa mais jovem a ser executada nos Estados Unidos no século 20. Seus irmãos – três deles ainda vivos –, acreditam que sua confissão foi forçada e que ele foi o bode expiatório de uma comunidade branca buscando vingança. Setenta anos depois, eles clamam por justiça. Os advogados de Aime Ruffner, Katherine Robinson e Charles Stinney, irmãos de George, entraram no final de 2013 com um pedido legal para que o veredito seja anulado. Os advogados dizem que o garoto foi coagido e que Stinney tinha um álibi, sua irmã Aime Ruffner, que alega ter estado com ele quando os assassinatos ocorreram. Tal evidência não foi apresentada no julgamento. Na verdade, segundo aqueles que acreditam na inocência do garoto, o que se seguiu foi a farsa de um julgamento no qual a defesa de Stinney não interrogou nenhuma testemunha e não apresentou nenhuma evidência ou testemunho em favor dele.


Além do álibi, os advogados que representam os irmãos apresentaram outra nova evidência, apreciada por um tribunal em Janeiro de 2014: o depoimento do reverendo Francis Batson, que encontrou as garotas e as retirou da cova inundada. Em seu depoimento, ele relembra que não havia muito sangue dentro ou ao redor da cova e isso sugere que elas podem ter sido mortas em outro lugar e levadas para lá. Um assassino branco certamente saberia que se ele despejasse as garotas no lado negro da cidade, logo uma multidão cega culparia o primeiro homem de cor que passasse por eles.

George Stinney na prisão. Foto: library.albany.edu


Aime Ruffner, hoje com 77 anos, viúva e matriarca de três gerações de Stinneys, cujas fotos enchem as paredes de sua casa de madeira de três andares em Newark, Nova Jersey, disse que jamais retornou a Alcolu desde que o pai deles foi demitido do emprego na madeireira e a família expulsa da cidade no dia em que seu irmão foi levado. “Eu nunca voltei lá. Eu amaldiçoei aquele lugar. Foi a destruição da minha família e a morte do meu irmão”. 


Ela jamais esquecerá a última vez em que viu George vivo; ela tinha oito anos na época. Escondida no galinheiro e meio paralisada de medo, ela viu quando dois carros pretos pararam na casa da família. Nem a mãe deles, uma cozinheira também chamada Aime, nem o pai, que também se chamava George, estavam em casa quando policiais brancos entraram e levaram o garoto e seu meio-irmão, Johnny, algemados. Johnny foi libertado depois. Ela adorava George e o seguia por toda parte. Ele a chamava de sua sombra.

Lembrando de suas últimas palavras a George, Aime diz: “Eu disse, ‘George, você vai me abandonar? Aonde você vai?’, e ele me disse para encontrar Charles e Katherine e dizer-lhes que ele tinha sido levado. Eu nunca mais o vi novamente até ele estar num caixão. Isto é algo que eu sempre vou rever em minhas memórias. O rosto dele estava queimado.”

A confissão de Stinney foi testemunhada pelo oficial que o interrogou. Nem os pais dele, nem um advogado estavam presentes. Mais tarde, ele negou a confissão. Toda a documentação referente à confissão foi perdida. Nenhuma testemunha ou evidência que pudesse incriminá-lo foi apresentada durante o julgamento, que terminou em menos de três horas. O júri, inteiramente branco, o condenou num piscar de olhos, em 10 minutos, e ele foi sentenciado a "ser eletrocutado até que seu corpo esteja morto, de acordo com a lei. E que Deus tenha piedade da sua alma”, segundo os documentos do tribunal.

Na foto: O historiador George Frierson na ferrovia onde Stinney e sua irmã viram as vítimas. Através do trabalho de Frierson a família Stinney entrou com um pedido na justiça americana para que o julgamento de George seja anulado. Foto: Sean Rayford.

São escassas as provas documentais deste caso, mas os jornais noticiaram que, por causa da sua pequena estatura, 1,57m, e pesando apenas 40 kg, os guardas tiveram dificuldades em prendê-lo na cadeira elétrica, já que ela fora construída para condenados muito maiores. As presilhas da cadeira ficaram frouxas e livros foram colocados no assento para que sua cabeça pudesse alcançar os eletrodos. Quando o interruptor foi acionado e os primeiros 2.400 volts atravessaram o seu corpo, Stinney convulsionou e a máscara, grande demais, caiu do seu rosto, revelando lágrimas que caíam dos seus olhos arregalados e apavorados. Uma segunda e uma terceira carga se seguiram. Ele foi declarado morto em 16 de junho de 1944.

Do momento em que foi levado até o seu julgamento em 24 de abril, o garoto não foi autorizado a ver seus pais. Eles tiveram permissão para visitá-lo apenas uma vez, na penitenciária de Columbia, após o seu julgamento. Eles retornaram convictos da inocência do garoto, mas como negros pobres do sul, tinham poucos recursos. “Minha mãe chorava e rezava”, diz Aime numa reportagem do The Guardian

“Nós queríamos que a verdade aparecesse. Mas, às vezes, quando você não possui os meios nem o dinheiro, você aceita as coisas como elas são. A NAACP (Associação Nacional para o Avanço das Pessoas de Cor) tentou impedir aquilo, mas não deu certo. Naqueles tempos, se você fosse branco, estava certo, se fosse negro estava errado”.

Aime e seus irmãos, ainda vivos, Charles, que tinha 12 anos, e Katherine, que tinha 10, cresceram com duas certezas: que seu irmão era inocente e que eles não podiam mudar o passado. Em documentos legais submetidos à nova apreciação, Charles Stinney contou como toda a família foi mergulhada no medo após George ter sido levado e o pai deles ter sido demitido. Em meio a rumores sobre uma multidão enfurecida, eles tiveram que deixar a cidade rumo à casa da avó, perto de Pinewood, e, mais tarde, para Sumter.

Seus pais ficaram desamparados, relembra Charles. “Eles não tinham dinheiro, a lei estava contra eles e eles eram negros no sul dos Estados Unidos em 1944”. Linchamentos eram raros nos anos de 1940, mas as lembranças da justiça popular nos anos 20 e antes disso eram amargas. Um a um, os irmãos Stinney mudaram para o norte e se estabeleceram em Nova Iorque e Newark. Eles raramente falavam sobre o ocorrido e só recentemente deram um testemunho detalhado.

Charles, 83 anos, viúvo e pai de cinco filhos, deixou Sumter para integrar à Força Aérea antes de se tornar bispo da Igreja do Senhor Jesus Cristo, em Brownsville, Brooklyn, um dos bairros mais carentes de Nova Iorque. Ele passou a vida inteira tentando deixar tudo para trás; segundo ele, para “parar de remexer velhas feridas”

Na foto: Aime Ruffner segura uma imagem do seu irmão. Aime e George foram as últimas pessoas a verem as vítimas com vida. Foto: The Observer.

Como religioso, Charles acredita que Deus sabe a verdade sobre seu irmão, um garoto sociável que reunia amigos para cantar junto com o rádio no quintal. “Nada o trará de volta e nada trará aquelas garotas de volta”, diz ele. Entretanto, “é importante limpar o nome dele”. E assim os irmãos, setenta anos depois, começaram a se mexer para limpar o nome de George. Inicialmente, Aime requisitou a ajuda de um advogado e escreveu uma carta para Oprah Winfrey, mas ambas as tentativas foram infrutíferas. O catalisador da ação legal veio através de George Frierson, um historiador local e membro do Conselho de Administração Escolar de Clarendon, que nasceu em Alcolu e frequentou a escola primária quando a madeireira ainda estava em funcionamento. Frierson começou a investigar o caso em 2004, após um pequeno artigo num jornal local lembrá-lo daquilo. Frierson disse que quanto mais pesquisava, mais se convencia da inocência de George. Ele afirma que havia pouco sangue na cova, evidência de que as garotas foram mortas em outro lugar. “Um garoto de 40 kg não pode carregar dois cadáveres por quatrocentos metros ou mais. Aquelas garotas foram agredidas brutalmente. Devia haver um monte de sangue”

Seu trabalho chamou a atenção de Steve McKenzie e Matt Burgess, advogados brancos da Coffey, Chandler & McKenzie, que assumiram o caso da família Stinney. McKenzie enviou solicitações ao promotor do condado em Outubro de 2013 para pedir que o veredito de George seja anulado. Ele, Burress e Miller Shealy, um professor de processo penal na Charleston School of Law, apresentaram novas evidências que incluem testemunhos juramentados de Charles e Aime de que estavam com George no dia em que as garotas desapareceram. Wilford Hunter, que esteve na prisão com George, também testemunhou que o adolescente havia lhe contado que foi forçado a confessar. 

“Eu não fiz isso, eu não fiz isso’”, Hunter se lembra de Stinney ter lhe dito, “ele disse ‘por que eles me matariam por algo que eu não fiz?’” Aime diz que sua história não foi alterada em setenta anos, apesar de durante a audiência ela ter sido acusada pelos promotores de não lembrar detalhes de um depoimento que tinha dado em 2009. Ela disse que os eventos de 24 de março de 1944, quando ela e George cruzaram com as garotas, eram tão claros na mente dela porque “nenhum branco passava” para o lado negro da cidade. 

Ela e George estavam sentados nos trilhos da ferrovia quando as garotas se aproximaram e perguntaram se eles sabiam onde encontrar maypops, um tipo de flor silvestre. Eles responderam que não e elas partiram. “Nós não vimos mais aquelas garotas, mas alguém as seguiu e as matou”. Ela insiste no fato de que a confissão de George foi arrancada à força: “Eles fizeram-no confessar e o documento dessa confissão sumiu. Por que meu irmão confessaria algo que não fez?” A confissão, se é que um dia foi redigida ou assinada, desapareceu, bem como a transcrição do julgamento. Tentativas de anular o veredito têm encontrado resistência em meio à comunidade branca de Alcolu. 

Sadie Duke, uma moradora da cidade, disse ao jornal local em janeiro de 2014 que, na véspera dos assassinatos, George teria dito a ela e uma amiga “Se vocês não derem o fora daqui e se um dia voltarem, eu vou matar vocês”. Outro morador local, que tinha 15 anos na época, disse que George era conhecido por ser brigão. Perguntada se ela reconhecia essa faceta do irmão, Aime responde: “As únicas crianças brancas que vieram para a nossa área foram aquelas meninas. Nós tínhamos nossa própria escola e igreja negras. Nós não andávamos com gente branca”

Membros da comunidade negra de Alcolu dizem que é improvável que, na cidade segregada, qualquer criança negra ameaçasse uma criança branca sem que houvesse repercussões e retaliações. No entanto, voltando a 1995, WL Hamilton, professor de George no sétimo ano, que é negro, contou ao jornal "que ele tinha um temperamento forte e que havia brigado com uma garota na escola, cortando-a com uma faca. Aime disse que ligou para Hamilton após ler a história.“ 

"Aquele bastardo. Aquilo era uma mentira desgraçada. Quando eu soube da mentira que Hamilton havia contado, telefonei para ele. Disse que meu nome era Aime Stinney e que ele havia dito que meu irmão era um garoto mau. Você está com um pé na casca de banana e o outro indo direto pro inferno.” A família de Betty nunca se mudou para muito longe de Alcolu. Em março último, Frankie Bailey Dyches, sobrinha de Betty, ajudou a organizar uma reunião de familiares e conhecidos para combater o que ela afirmou ser uma falsa impressão de George Stinney. Ela e sua prima Carolyn Geddings, ambas com 62 anos, cresceram com o sofrimento de suas mães, irmãs mais velhas de Betty, e seus avós Daisy e John Binnicker. Para elas, a confissão de George e uma declaração manuscrita feita por um policial do condado de Clarendon afirmando que ele havia confessado e os levado até a arma do crime – uma estaca de metal da ferrovia que media 40 cm –, são provas suficientes da sua culpa. 

“Parece que um pobre garoto negro foi atropelado por pessoas brancas, mas não foi assim”, “Estou cem por cento convencida de que ele fez aquilo. Os relatos que nós ouvimos são de que ele era um garoto tímido e acanhado, mas ele era um brigão e ele era mau”, disse ela, citando alegações de um policial da época e outros. Ela questiona as lembranças da família Stinney, a motivação dos advogados e o momento da apelação. “Por que agora? Por que não nos anos 60, quando o movimento dos direitos civis estava começando? Por que não nos anos 70 ou 80? Um deles era professor. Não é porque eles não tiveram educação.” 

Os pais de Betty já haviam perdido um filho, Harold, quando ele tinha seis anos, e depois de Betty, perderam um terceiro – um filho que morreu servindo na guerra da Coréia –. De acordo com a família, eles nunca se recuperaram. Carolyn acrescentou: “Por Betty ter sido morta de maneira tão horrível, foram tempos terríveis para todos eles.” As primas insistem que não houve elemento racial no julgamento e condenação de George. Mas elas discordam sobre o ponto de o Estado estar ou não certo em executá-lo. “Eu sou uma defensora da pena de morte se você está cem por cento certo e eu acredito que ele fez aquilo”, disse Frankie. 

Na foto: o Reverendo Charles Stinney, irmão de George.

Carolyn é mais simpática à ideia de que erros graves foram cometidos no caso. Ela disse que George devia ter tido direito a um advogado ou um dos pais com ele durante seu interrogatório e jamais deveria ter sido condenado à morte. “Eu me sinto mal pela família dele, todos eles”, disse Carolyn. “Eles tiveram que viver com aquilo, da mesma forma que nós. Minha mãe, Vermelle, não achava que ele devia ter sido eletrocutado. Ela acreditava que por causa da idade ele não devia ser. A esta altura, após todos esses anos, se as leis judiciais não foram justas, então fico feliz com isso. Espero que a família possa encontrar alguma paz nisso.” 

Nos arquivos do estado da Carolina do Sul em Columbia, um grosso arquivo oferece uma visão da indignação que a futura execução de um menor causou na época. Centenas de cartas e telegramas insistiam para que o Governador, Olin Johnston, comutasse a sentença em prisão perpétua. Alguns citaram um caso recente de um garoto branco de 16 anos de Parish Island que havia recebido uma sentença de 20 anos por estupro e assassinato. Outros imploravam para que houvesse uma nova investigação e um novo julgamento. Muitos falavam da guerra, em que brancos e negros estavam lutando e morrendo em igual quantidade pelo seu País. Johnston, que na época concorria ao senado americano, foi irredutível. Em uma carta datada de 14 de junho, dois dias antes da execução, Johnston escreveu para uma pessoa chamada VM Ford, de Myrtle Beach, que havia pedido clemência. Ele disse: “pode ser interessante para você saber que Stinney matou a garota menor para estuprar a maior. Então ele matou a garota maior e estuprou o cadáver dela. Vinte minutos depois, ele retornou e tentou estuprá-la de novo, mas o corpo dela estava frio demais. Tudo isso foi admitido por ele próprio.” Isso era um boato da época e foi desmentido pelo exame físico necrológico, que não apontou indício de estupro em nenhuma das vítimas. 

Johnston não era o único que estava concorrendo a um cargo. Charles Plowden, defensor público designado para defender George, também estava concorrendo a uma vaga na Câmara. Duas confissões conflitantes de George foram apresentadas como evidência durante o julgamento, de acordo com os registros. No primeiro, ele dizia que foi abordado pelas garotas, que o atacaram após ele ter tentado ajudar uma delas, que havia caído numa vala, e as atacou em legítima defesa. Na segunda versão, ele havia seguido as garotas até a mata e primeiro atacado e ferido mortalmente Mary Emma, para “tirá-la do caminho” e então perseguido Betty e a atacado. O tribunal admitiu a legitimidade da “possibilidade” de estupro, apesar da falta de evidências. 

Os relatórios médicos dizem que embora houvesse um ligeiro inchaço e um leve hematoma na genitália externa de Betty, os hímens das duas meninas estavam intactos. O advogado dos irmãos de Stinney Matt Burgess acredita que a confissão de George foi alterada para servir aos interesses da acusação: “A confissão mudou para juntar os elementos. A arma do crime mudou. Era um pedaço de ferro, depois uma estaca e então uma estaca de ferrovia. Aquilo mudou de forma a beneficiar a acusação. Em 1944, um menino negro de 14 anos interrogado por policiais brancos; eles provavelmente puseram diferentes situações diante dele. Acho que ele simplesmente respondeu ‘sim, senhor’ várias vezes.” 

No tribunal do condado de Sumter, em janeiro de 2014, a juíza Carmen Mullen ressaltou que o trabalho dela não era estabelecer a culpa ou a inocência de George Stinney, que “pode muito bem ter cometido este crime”, mas determinar se ele recebeu ou não um julgamento justo. Ela disse “ninguém pode justificar um garoto de 14 anos acusado, julgado, condenado e executado em apenas 80 dias”. As injustiças, disse ela, incluem uma testemunha que descobriu os corpos das vítimas tendo a permissão de comandar o interrogatório do legista; um julgamento que durou menos de um dia; um defensor público que não arrolou nenhuma testemunha, não fez nenhuma pergunta durante os interrogatórios, ofereceu pouca ou nenhuma defesa e não fez nenhuma apelação. A juíza concluiu: “essencialmente, muito pouco foi feito por esta criança enquanto sua vida estava por um fio.”. Até o presente momento, ela não emitiu sua decisão final. 

Na foto: Aime Ruffner durante audiência por um novo julgamento do irmão em Janeiro de 2014. Foto: Boston Globe.


John Douglas, ex-agente do FBI e especialista em traçar perfis criminais, diz em seu site que sem sombra de dúvidas o caso deve ser reaberto: “George era negro. As duas garotas eram brancas. Nenhuma das vítimas sofreu abuso sexual. Nenhum motivo plausível foi apresentado no tribunal.” Douglas ainda contesta a declaração de Chip Finney, atual promotor do condado, que disse a uma emissora local que “o fato que importa é que isto aconteceu e ocorreu por causa de um sistema de justiça legal que estava em vigor e que, até onde sabemos, baseados nos registros, funcionava corretamente.” 


Desmentindo o promotor, Douglas cita alguns casos da época, onde homens negros foram falsamente acusados e condenados pela justiça por matarem brancos. “Será que as pessoas de bem da Carolina do Sul considerariam a execução de um garoto branco dessa idade?”, questiona Douglas. Sugerir que afro-americanos recebiam tratamento igual ou pelo menos justiça adequada durante o longo pesadelo da era de segregação racial é ingênuo e moralmente obtuso. “Será que o Sr. Finney acha que uma deliberação de dez minutos feita por um júri inteiramente branco após um julgamento de três horas poderia possivelmente, representar um sistema legal que ‘funcionava corretamente’?”, pergunta Douglas.

Douglas diz ainda em seu texto que se alguma pessoa não acredita que vale a pena enfrentar os fantasmas da injustiça do passado, o racismo e o ódio, então isso é tolice. “Se você não acha que fazer as pazes com a escravidão e os horrores que a seguiram é um processo necessário e que vale a pena, então isso é tolice. Estudar, revisitar, e ensinar às gerações atuais sobre uma época e lugar em que uma justiça igualitária era um mito vazio para uma parcela significativa do povo, bem, isso não é tolice”, ele conclui.

A população de Alcolu encolheu de 1.700 em 1944 para 400 nos dias de hoje. Aime disse que não guarda rancor no coração “de nenhum homem, mesmo aqueles que mataram meu irmão. Sinto muito pelas famílias que perderam aquelas pequeninas. Eles perderam suas filhas e eu perdi um irmão. Isso dói. Mas para pessoas se sentarem e formarem um julgamento da forma que fizeram? Eletrocutarem ele? Eles o queimaram. Foi uma morte horrível para uma criança”

70 Anos depois Stinney declarado Inocente

A família de George Stinney Jr., a mais jovem pessoa a ser executada nos EUA, pode, enfim, dormir com a consciência limpa. O jovem garoto de apenas 14 anos, eletrocutado em 1944 pelo brutal assassinato de duas garotas brancas, teve sua condenação anulada. A juíza Carmen Mullen disse que a velocidade com que o estado dispensou a justiça contra o menino foi chocante e extremamente injusta. Para ela, o caso Stinney foi uma das maiores injustiças da história do país. Uma decisão sobre o caso era esperada desde Janeiro deste ano, quando os irmãos ainda vivos de Stinney pediram um novo julgamento. A juíza disse que é altamente provável que o garoto negro tenha sido coagido pelas autoridades. Com a anulação do julgamento de 1944, Stinney passa a ser inocente mas continua suspeito -, já que seria necessário um novo julgamento para provar ou não sua culpa. Carmen Mullen disse que o anulamento da sentença foi tomada porque o Tribunal da Carolina do Sul falhou em garantir um julgamento justo em 1944. 

Fontes consultadas: 
CNN (New trial sought for George Stinney, executed at 14); 
The Guardian (George Stinney was executed at 14. Can his family now clear his name?); Mindhunters (The Ghosts of the Past)