quarta-feira, 10 de junho de 2015

CARACTERÍSTICAS DOS ASSASSINOS





Como as descobertas recentes da psiquiatria e da neurociência ajudam a compreender os distúrbios que levam a crimes violentos.

Os cientistas procuram respostas para o comportamento dos criminosos há séculos. E suas conclusões vêm mudando muito desde que o italiano Cesare Lombroso (1835-1909) associou a tendência ao crime a características físicas, como nariz achatado, mandíbula saliente e orelhas grandes. Para ele, criminosos seriam indivíduos em estágios primitivos da evolução humana. A hipótese esdrúxula e inconsistente de Lombroso só teve um efeito: alimentar o ódio, o preconceito e o racismo. Descobertas recentes da psiquiatria e da neurociência, que se dedica a estudar as funções cerebrais, têm ajudado a compreender o que motiva alguém a matar, torturar e violentar. Pesquisas realizadas no mundo todo mostram que o comportamento violento não tem uma causa única. É resultado de uma combinação de fatores genéticos e ambientais. 

Desde o final da década de 1980, Adrian Raine, um professor de psicologia da Universidade do Sul da Califórnia, nos Estados Unidos, estuda o comportamento de homicidas. Durante seus primeiros trabalhos, ele mostrou que os condenados que agiram por impulso tinham menor atividade metabólica na área do cérebro conhecida como córtex pré-frontal. Dessa área dependem o planejamento e a tomada de decisões. Ativado quando o indivíduo simula mentalmente cenários futuros, o córtex pré-frontal permite escolher uma opção sem ter de experimentar cada alternativa do mundo real. Recentemente, Raine examinou criminosos violentos que atuaram de maneira premeditada. Seu estudo revelou que o volume de massa cinzenta do córtex pré--frontal nos condenados era 22,3% menor que em cidadãos comuns. De acordo com Raine, eles também apresentaram anomalia numa estrutura cerebral que permite ao indivíduo comparar as condições de uma ameaça atual com ameaças passadas, conhecida como hipocampo. Essa alteração, segundo o estudioso, pode afetar o processamento correto das emoções – em alguns casos levando a surtos de violência. 

Mais da metade dos crimes violentos e em série nos Estados Unidos são atribuídos a psicopatas, que somam 20% da população carcerária americana. Suas principais características: frieza, falta de remorso, egocentrismo, baixa tolerância à frustração, insensibilidade e incapacidade de ter sentimentos altruístas e compaixão. Geralmente inteligentes, os psicopatas são mentirosos, manipuladores e não conseguem se enquadrar nos padrões éticos e morais da sociedade. Vivem para satisfazer seus próprios desejos. Mesmo que, para isso, tenham de desfalcar uma empresa ou matar alguém. Psicopatas não têm alucinações ou delírios. Sabem distinguir o certo do errado. Não podem ser considerados “doentes”. E não têm “cura”. O que os caracteriza é um defeito de caráter. “Para um psicopata, cortar uma pessoa ou um barbante é a mesma coisa”, diz o neurologista Ricardo de Oliveira. O índice de reincidência criminal entre os psicopatas é superior a 70%, segundo a psiquiatra forense Hilda Morana. “O ideal é que eles fossem diagnosticados e colocados em unidades separadas”, diz.

São considerados psicopatas aqueles com uma condição conhecida tecnicamente como “transtorno de personalidade antissocial global”. Eles representam cerca de 1% da população dos Estados Unidos, segundo o psicólogo canadense Robert Hare, da Universidade da Colúmbia Britânica. Calcula-se que a proporção mundial seja semelhante à dos Estados Unidos. “Nem todo psicopata é assassino e nem todo assassino é psicopata”, diz Hare. O caso do ex-médico Farah Jorge Farah é um exemplo disso. Exames psiquiátricos revelaram que, ainda que tenha matado e esquartejado, Farah não sofre de psicopatia. 

Hare criou o método mais célebre para descobrir quem é psicopata, conhecido pela sigla PCL-R (“lista de verificação de psicopatia”, na tradução do inglês). A lista tem 20 itens, que servem para examinar a ocorrência de problemas como ausência de remorso ou culpa, mentira patológica e versatilidade criminal. Um psiquiatra ou psicólogo treinados pontuam cada um dos itens. A soma de todos determina o diagnóstico, cujo resultado é expresso numa escala de 0 a 40 pontos. Essa ferramenta é usada em países como Inglaterra, Alemanha, Canadá e Estados Unidos. Também foi usada pelos neurologistas Ricardo de Oliveira Souza e Jorge Moll Neto em pacientes do hospital da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) para selecionar os participantes de uma pesquisa conduzida por eles. Os psicopatas estudados pelos neurologistas, no entanto, não são prisioneiros nem criminosos perigosos. São pessoas que costumam adotar atitudes consideradas antiéticas e arriscadas, como passar cheques sem fundo, dirigir em alta velocidade e abusar do consumo de drogas. O objetivo era demonstrar que, embora tenham mais predisposição, nem todos os psicopatas se tornam homicidas.

Dois assassinos célebres do Brasil já foram submetidos ao teste de Hare. O primeiro é Mateus da Costa Meira. Em 1999, esse ex-estudante de medicina metralhou três pessoas e feriu outras quatro numa sala de cinema de um shopping paulistano. Ele não manifestou remorso. “Colegas psiquiatras me contaram que o Mateus lamentou ter cometido o crime antes de se formar na faculdade, já que, como médico, teria direito à prisão especial”, diz o psiquiatra forense José Geraldo Taborda. O outro assassino foi Francisco de Assis Pereira, conhecido como Maníaco do Parque. Ele estuprou, torturou e matou pelo menos seis mulheres e atacou outras nove no Parque do Estado, em São Paulo. Submetidos ao teste PCL-R, Meira e Pereira apresentaram pontuações altíssimas e foram, portanto, considerados psicopatas.

Há um intenso debate entre os especialistas sobre as causas da psicopatia. A visão tradicional afirma que o principal fator são traumas na educação e na criação. Alguém que tenha sido abandonado ou violentado na infância teria, segundo essa visão, mais chance de desenvolver psicopatia ou outros desvios de comportamento. Um dos principais representantes dessa corrente é o psicólogo americano Philip Zimbardo. Para ele, qualquer ser humano é capaz de atitudes horrendas sob certas circunstâncias. 

Zimbardo defende essa hipótese controversa desde 1971, quando fez um experimento com alunos de psicologia da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Ele recriou o ambiente de uma prisão em laboratório e escolheu aleatoriamente 24 universitários para conviver no local durante duas semanas. Uma parte como agentes penitenciários, a outra como prisioneiros. O experimento teve de ser interrompido porque os guardas se mostraram sádicos, e os prisioneiros se tornaram depressivos e estressados. De acordo com a interpretação de Zimbardo, a sensação de anonimato pode induzir seres humanos a agir de maneira antissocial. Em seu livro The Lucifer effect: understanding how good people turn evil (O efeito Lúcifer: entenda como pessoas boas se tornam malvadas) , ele argumenta que poucos resistem à pressão que pode existir dentro de uma prisão.

Estudos recentes, porém, colocam peso em outros fatores como causadores da psicopatia – entre eles, genética e lesões físicas no cérebro. A relação entre as lesões e o comportamento infantil foi pesquisada por um dos maiores neurologistas da atualidade, o português António Damásio. Entre os casos que ele estudou está uma menina que, aos 15 meses de vida, sofreu ferimentos graves na cabeça num acidente de carro. Segundo Damásio, aos 3 anos ela começou a manifestar distúrbios de comportamento. Passou a se recusar a cumprir regras, além de brigar com professores e colegas. Mais tarde, revelou o hábito de mentir e roubar. Os ataques verbais e físicos eram constantes. Nenhum de seus irmãos – que tiveram a mesma educação e criação – manifestou atitudes semelhantes.

Outro caso documentado por Damásio foi um bebê que, aos 3 meses, sofreu uma cirurgia para retirada de um tumor no córtex frontal. Aos 9 anos, o menino não se interessava pela escola, se isolava e passava a maior parte do tempo livre assistindo à televisão ou ouvindo música. Ele também desenvolveu o hábito de ameaçar os colegas fisicamente. Quando crianças sofrem lesões no cérebro frontal, dizem os cientistas, as consequências comportamentais geralmente são mais graves que em adultos. Desde então, evidências neurocientíficas têm sido usadas nos tribunais americanos para tentar livrar os acusados da cadeia ou abrandar suas penas.

No final de 2005, a Suprema Corte americana proibiu a pena de morte para menores de 18 anos. Cientistas alegaram que jovens não são capazes de controlar seus impulsos como os adultos, pois o desenvolvimento dos neurônios no córtex pré--frontal não está completo até os 20 anos. É possível que essa decisão esteja correta. E é natural que os advogados usem com frequência cada vez maior argumentos científicos que os ajudem a atribuir os crimes a fatores alheios à vontade dos acusados. Esses avanços são benéficos para a sociedade, pois as raízes da violência devem ser conhecidas e tratadas na medida do possível. Mas não se pode esquecer que cada indivíduo sempre deve ser responsável por seus atos. 

Fonte: Revista ÉPOCA

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